quinta-feira, 17 de abril de 2008

Sta Sara e Outras Versões...


Vamos voltar há dois mil anos... ou mais, muito mais... Se
quiserem podemos retroagir 5000 anos e chegaremos aos ciganos que ajudaram a construir as pirâmides do Egito.
Porém, fiquemos nos tempos do Cristo.

Estava Jesus em pleno ministério sempre acompanhado por Maria Madalena, aquela que seria a discípula bem-amada. É daquela época que extraímos a mais bela lenda do povo cigano. Mas, antes falaremos de religiosidade dos ciganos, de maneira geral, que é incontestável. Os ciganos crêem em Deus (Devel) e na entidade do mal (Beng). Fazem grandes peregrinações em 24/25 de maio a Saintes-maries-de-la-mer (França), em honra a santa Sara. No Brasil, além de Santa Sara, são devotos de N. Sra. Aparecida, são Jorge e outros santos, isto, se forem católicos. Ressaltamos que os ciganos adotam a religião do país que os acolhe.

No Brasil temos ciganos católicos, evangélicos, testemunhas de Jeová, protestantes, espíritas, adventistas, umbandistas e outras religiões/seitas. No mundo, encontramos ciganos na religião católica ortodoxa, muçulmanos, budistas, hindus etc. e são sinceros na crença que adotam.

São muitas as lendas que dizem ter Maria Madalena viajado à França (ou Gália na época) depois da crucificação de Jesus, acompanhada por um variado grupo de pessoas que inclui uma jovem serva negra chamada Sara, Maria Salomé e Maria Jacobina — supostamente tias de Jesus — além de José de Arimatéia, o rico proprietário do sepulcro onde Jesus foi colocado, antes da ressurreição, e São Maximino, um dos setenta e dois discípulos mais próximos de Jesus e primeiro bispo de Provença. Embora os detalhes da narrativa variem de versão para versão, parece que Madalena e seu séqüito foram obrigados a fugir da Palestina em condições mais que precárias [...]


Reza a lenda que eles desembarcaram (sem dúvida, muito agradecidos, depois de vagarem por águas salgadas durante semanas) no que hoje é a cidade de Saintes-maries-de-la-mer, nas terras úmidas da Camargue, onde o Ródano deságua no Mediterrâneo. As três Marias — Maria Madalena, Maria Jacobina e Maria Salomé — são objeto de grande veneração na igreja que se ergue dos charcos circundantes como uma imponente vela de navio, ao passo que na cripta há um altar dedicado a Sara, a egípcia, a pequena serva negra de Maria Madalena, hoje a venerada santa padroeira dos ciganos, que afluem à cidade no feriado de 24/25 de maio, quando milhares de fiéis devotados conduzem a estátua de Sara até o mar, para sua imersão cerimonial.

O fato de a tradição medieval considerar os ciganos originários do Egito — egypsies — confere sentido à sua veneração pela menina egípcia Sara...
As lendas têm muitas versões, por isso são lendas, ficamos com uma adaptação que seria a seguinte: Maria Madalena era o cálice sagrado (Santo Graal), porque trazia em seu ventre o sangue real, a semente de Jesus. Ela teria passado alguns anos em Alexandria, no Egito e Sara seria sua filha e de Jesus (portanto, Sara não era serva das Marias), constituindo-se na linhagem sagrada. Maria Madalena, por motivo desconhecido (perseguição talvez) fugiu para a Gália com Sara e José de Arimatéia. Lá foram acolhidos pelos ciganos. Sara é venerada pelos ciganos, até porque Madalena, sua mãe, também é conhecida por Madalena Egipcíaca. Isto faz sentido; os ciganos seriam os verdadeiros guardiões da linhagem sagrada através de veneração à santa Sara: a santa das santas.


Curioso é o fato de que a igreja não relaciona santa Sara em sua hagiografia. Por quê? Que nos respondam os que sabem!
Encontramos em um livro, às vezes muito elogiado, outras vezes criticado sem piedade, texto que nos conta algo que até agora desconhecíamos sobre o Mestre Jesus. Está no livro O código da Vinci, de Dan Brown, editora Sextante, 2004. extraímos este diálogo entre os três personagens principais do livro: Langdon, Teabing e Shofie:

O importante aqui — disse Langdon, voltando à estante — é que todos estes livros apóiam a mesma premissa histórica.
— Que Jesus foi pai — Sophie ainda estava insegura.
É — disse Teabing. — E que Maria Madalena foi o ventre que transmitiu sua linhagem sagrada. O Priorado de Sião, até hoje, ainda venera Maria Madalena como a Deusa, o Santo Graal, a Rosa e a Divina Mãe.
Sophie voltou a visualizar rapidamente o ritual do porão.
De acordo com o Priorado — continuou Teabing — , Maria Madalena estava grávida quando Jesus foi crucificado. Para segurança do filho ainda não nascido de Cristo, ela não teve escolha senão fugir da Terra Santa. Com ajuda do tio em que Jesus tinha grande confiança, José de Arimatéia, Maria Madalena secretamente viajou para a França, que na época era conhecida como Gália. Ali encontrou refúgio seguro na comunidade judaica. Foi na França que deu à luz uma filha. O nome dela era Sara....

Notamos pois muitas semelhanças entre as lendas, ora Sara nasceu no Egito, ora na França, ora foi acompanhante das Marias. Então não vamos discutir mais: Sara existiu e foi o fruto da união de Jesus e Madalena. Os ciganos, não só são muito religiosos, como também são a fonte de inspiração para os poetas, e eles têm Deus no coração e só eles podem expressar tanta religiosidade.




E JESUS FOI MAIOR DOS CIGANOS.

jesus_pastorTemos por certo que Jesus foi o maior dos ciganos. Afinal era um pobre galileu sem eira nem beira, andava descalço, como os ciganos, não tinha casa, como os ciganos, não tinha terra, como os ciganos, nem se agarrava aos valores materiais, como os zíngaros não se agarram. O quê fez Jesus dos treze aos trinta anos?

Viajou à Índia para aprender com os budistas. E quê fez dos trinta e um aos trinta e três?

 Perambulou pela Palestina, pregando a boa-nova, fazendo milagres e dormindo ao relento. Foi Ele quem disse:

“As raposas têm covas e as aves ninhos, porém, o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.” (Mt 8,20). Foi o papa Paulo VI que relembrou esta passagem bíblica citando-a perante 2.500 ciganos e complementando:
“Vede como Jesus era semelhante a vós. Como está próximo de vós!” E ainda na Bíblia lemos:

“Eu tive fome e me deste o que comer, eu tive sede e me deste de beber”. Eu gostaria de saber quais os cristãos que deram de ‘comer’ e ‘beber’ a um cigano!? Que Jesus era nômade não padece dúvida, pois está em várias passagens da Bíblia. Vejam esta:

 “Jesus percorria toda Galiléia, ensinando nas sinagogas o Evangelho do Reino, curando todas as doenças e enfermidades entre o povo... Grande multidão o acompanhava da Galiléia, da Decápole, de Jerusalém, da Judéia e dos países do outro lado do rio Jordão” (Mt 4-25). [....] “E andava por todas as cidades e aldeias” (Mt 9-35). Ele usava apenas uma túnica e que foi sorteada entre os soldados no Gólgota. Tão pobre como a maioria dos ciganos no mundo.

Jesus, Maria Madalena e Sara foram o maior legado dos ciganos à humanidade.

Há uma versão creditada a Jean-Paul Clébert, em seu livro The gypsies, p. 141, que aborda a existência de outra Sara: Sara the Kâli. E diz assim:

A Sara dos ciganos por outro lado, vivia às margens do Ródano com sua tribo e saudou as três Marias quando elas desembarcaram. Nosso povo recebeu a primeira Revelação de Sara a Kâli. Ela era de nobre nascimento e chefe da tribo às margens do Ródano. Ela sabia dos segredos que a ela tinham sido transmitidos. Perto do Ródano as tribos trabalhavam metais e comerciavam. O Cigano naquele tempo praticava religião politeísta e uma vez ao ano eles levavam em seus ombros a estátua de Astarté [divindade sideral feminina] em procissão ao mar onde recebiam suas benções. Um dia, Sara vira a chegada do bote com as Marias. O mar estava revolto e o bote ameaça afundar. Sara jogou seu vestido nas ondas, e usando-o como uma jangada, foi às santas e ajudou-as a ir à terra.

As santas batizaram Sara e elevaram suas preces pedindo pelos gadjês e pelos rom.
A veneração dos ciganos por Sara é extremamente interessante, especialmente porque é uma das poucas atividades deles, nas quais o não-cigano pode facilmente estar presente. Depois de 1912, somente os ciganos tinham o direito de penetrar na cripta. Eles passavam a noite lá, e faziam vigília, para não falhar com o mistério, particularmente aos olhos do santo padre que no ano estava presente. É sabido que a cripta, usualmente inundada com água de nascente, dá guarida a três elementos: à esquerda de quem entra, há o altar, (um altar pagão); no centro, há o altar cristão (do séc. III); e à direita há a estátua (ícone) de Santa Sara. É muito antiga. A estátua atual foi obviamente pintada de preto. Se limpidez aparece em sua face é porque é continuamente tocada e retocada.

Durante a vigília, os ciganos não mais praticam ritos especiais. Eles se satisfazem em manter observação, usualmente descalços e cabeça descoberta. Alguns deles cochilam ou dormem ao longo das paredes. Aqueles que chegam, devotos de Sara, fazem o ritual em dois atos: o toque e ornando-a com flores, pondo-lhe rendas, véus, jóias talismãs; pendurando roupas ou trajes (capas, mantos, lenços etc.). As mulheres particularmente, respeitosamente tocam a estátua e beijam as franjas dos seus vestidos. Então dependuram ao lado dela, roupas que trouxeram desde mantilhas de seda, corpetes, bustiê etc. Algumas vezes, somente pedaços de pano. Finalmente, eles tocam a santa com uma miscelânea de objetos representando os ausentes ou doentes (fotos, medalhas... ou ainda itens de roupas). E acendem velas, círios, produzindo intensa luz e calor.

velasA segunda parte da peregrinação cigana consiste na procissão ao mar e simbólica imersão, comum a todos os cultos da grande deusa da fecundidade. A magia da imersão induz a chuva. Claramente, obter chuva é menos importante para os nômades do que para os sedentários e casados. É evidente que a simbólica imersão de Saintes-maries-de-la-mer não mais pretende fazer chover. O ritual da fecundidade tornou-se uma bênção do mar por uma sutil adaptação da igreja. Os ciganos seguem esta transformação. Mas nesta evolução, eles conservaram o arquétipo da deusa-mãe e da virgem negra.

Do mundo inteiro vêm turistas e ciganos à cripta de Sara. A festa, como toda festa de origem católica, é religiosa e profana.

Há procissões, há orações e muita música, pelotiqueiros, buena-dicha, comidas típicas, danças, na parte profana propriamente dita. Mas vamos ver um pouco de história que é essencial para a famosa peregrinação a Saintes-Maries-de-la Mer. Dias 24 e 25 de maio, todos os anos os ciganos tornaram-se costumeiros na peregrinação católica. Realmente, há uma igreja erigida em comemoração à chegada das três marias, depois de o rei René[1] ter ordenado uma investigação sobre o assunto.

Velhíssima tradição registra o tal desembarque das três marias, mas não há certeza em qual lugar desceram a terra: o lugar já mencionado, com o qual estamos lidando, foi sucessivamente chamado Nossa Senhora de Ratis, de três marias, e Sainte-Marie-de-la-Barque; ratis poderia significar ‘ilha de madeira’. A escavação ordenada pelo rei René foi bem sucedida, debaixo do coro da igreja primitiva (a data em que ela foi construída é desconhecida) foram encontradas as supostas relíquias das santas. E a peregrinação tem sido registrada desde o século XV e cada vez mais florescente. A aparição de Sara se deu um pouco mais tarde e no texto Autor do fim da vida de M. Olier encontra-se esta frase: ‘Em uma arca de bronze foram depois encontradas... ossadas humanas que se acreditou ser de Sara, acompanhante das sagradas marias.’ Em 1521, Vicente Phillipon, em sua piedosa novela A lenda das santas Marias Jacobé e Salomé, registra a presença de Sara, minimizando seu papel dizendo ser apenas a serva. Ela viajara através de Camargue pedindo donativos. Dia 24 de maio foi escolhido para honrar as santas, e ciganos (presentes em Arles desde 1438) juntaram-se aos peregrinos. Mas de início não a reconheceram como Sara-a Kâli. Isto só se deu em 1496. A idéia de serva das marias foi uma idéia ecumênica. O nome dado pelos ciganos a Sara — A Kâli — significa na linguagem dos rom ora ‘mulher negra’, ora mulher cigana. Sara, na igreja pode ser a mulher de Abraão que traz em si a idéia da mãe-deusa, bem como pode ser Sari do Cáucaso, o mesmo povo que deu o nome bíblico de Sara.

Se Santa Sara veio no barco com as três Marias, se estava na praia esperando por elas e as salvando, se era serva de Madalena, ou segundo outros, era sua filha e de Jesus. Também se Sara relembra a mulher de Abrão ou uma egipcíaca; tudo isto, esta confusão de lendas, só atrai mais e mais fiéis e admiradores e à festa em Saintes-Maries-de-la-mer, que só cresce ano a ano. Ciganos de toda Europa (e do Brasil) vão anualmente à Camargue, França, à igreja das santas mencionadas, para celebrar a festa de sua rainha. A cripta e a santa, no dia da festa são clarificadas por milhares de velas, acendidas pelos nômades, e postas por eles ou por eles carregadas. O calor é intenso e a alegria também. A música é maravilhosa. A procissão em direção ao mar é festiva e religiosa. Eles chamam a cripta de o ventre da mãe Sara, e a chamam de Kâli-Sara, em analogia à deusa-mãe da sua terra natal, a Índia. Sara, é conhecida como a mãe sábia, que guarda conhecimentos secretos. As mulheres ciganas têm especial encantamento por Sara e parecem receber retribuição por isto, muitas bênçãos são atestadas. Sara está coroada e vestida com todos os atavios que os ciganos e ciganas lhes oferecem, e são tantos, que são constantemente trocados: jóias, lenços, mantos, véus e muito mais.

Os devotos acariciam sua face, beijam a fímbria dos seus vestidos e colocam flores em sua volta. Cartas postas a sua volta atestam os milagres recebidos, muletas de criança encontram-se ao lado da rocha.

Quando o culto a Santa Sara veio para o Brasil, ainda é matéria controversa. Quem trouxe? É mais controverso ainda... Entretanto, podemos afirmar, sem medo de errar, que é da década de 60. Mirian Stanescon (princesa dos ciganos, assim ela se diz), conseguiu, após negociação pertinaz, com a Prefeitura do Rio de Janeiro, a concessão de uma gruta, no Arpoador, Rio de Janeiro, onde pôde entronizar ou fazer assentamento, para culto reverencial (de ciganos e gadjês), sendo que a imagem de Santa Sara, por tradição, deve ficar com a face virada para o mar ou, no mínimo, próximo a ele, e isto foi atendido.
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[1] (Renato) I O Bom (Angers 1409-Aix-em-Provence 1480). Duque de Anjou, conde de Provence, duque efetivo de Bar, duque de Lorena, rei de Nápoles, titular da Sicília, rei nominal de Jerusalem.

Texto: Assede Paiva.


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