segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Contos Ciganos


“O corpo fechado”
 

“Faraó e a água do rio”


“O outro e o outro”



“Zingaresca”



                             ROSA-CIGANO


João Guimarães Rosa (1908-1967), aqui chamado GR, médico, poeta, prosador, diplomata, poliglota. Em uma entrevista disse o seguinte: Falo português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras.
 
A seguir, tentativa de interpretação de um conto de Guimarães Rosa, onde aparecem ciganos. O conto está em Sagarana, à (p. 256) e intitula-se O corpo fechado. Os ciganos aparecem como recheio e para justificar a esperteza/velhacaria do mocinho do conto, o Manuel Fulô. GR se não amava os ciganos, pelo menos os respeitava, os admirava e os entendia/conhecia muito bem. Nesta estória, GR evidencia a tremenda capacidade negocial (baldroca) dos ciganos, em relação a cavalos, bem como, a possibilidade de serem enganados neste mister, por nós outros, não-ciganos. Seja: somos mais velhacos do que os ciganos. Os demais contos sobre esses nômades estão em Tutaméia, intitulados:
Faraó e a água do rio, onde releva a capacidade dos ciganos em trabalhar o cobre, o belo metal, o belo trabalho (p. 57).
O outro ou o outro, focaliza os poderes místicos: o ofício então era esse? O próprio título, segundo meu entender, quer dizer: Deus ou o diabo (p. 105).
Zingaresca. Nele o autor ressalta a alegria dos ciganos, sua sensualidade, bem como a hipocrisia dos não ciganos (p. 201).

 
O CORPO FECHADO (em Sagarana). 
 
peça e meia de galão = tecido bordado, entrelaçado para enfeite de caixão

cuéra = qual é
casa de grades = cadeia. Entre marginais é casa-grande

farroma = valentia falsa

murguêia = dobrar, vergar, curvar
serrar de cima = partir para cima, atacar, brigar

quincumbim = cemitério

gastura = irritação, aflição, mal-estar

clavinote = carabina pequena

challenger = desafiante

Aretino do arraial = panfletário, poeta. Relembra Pietro Aretino, poeta e escritor italiano, obsceno

pataleio = plac, plac, plac, plac; patalear. É o andar do cavalo

encorujou = atrofiou

pubo = fermentado

tribo de trapeiros fracassados = vendedores de coisas sem valor, mascates

nhata = prognata (o texto explica)

sacudidona = bem apessoada, bem apanhada, forte, saudável

santantônio = cabeçote do arreio

amadrinhado com ciganos = junto com eles, fazendo parte do clã. Indica que os ciganos são hospitaleiros

mamparra = velhacaria, malandragem, evasivas
trêtas todas dos calões = todos ardis dos ciganos. Calões são ciganos vindos da Península Ibérica
marombando = dissimulando
ganjão = não-cigano
baldroca = troca, negócio
bragado = diz-se do cavalo que tem pernas de cor diferente do resto do corpo
murzelo = besta de cor preta
pensavam que estavam me cinzando = enganando
uma osga! = uma ova!
sojigar = dominar, conter
truvancas = esporas
merenguem = grana, dinheiro
condizendo = contar + dizer
gazeo = olhos claros
sobrecanas = tumor ossificado que nasce na curva da perna do cavalo
baio = cavalo de cor de ouro desmaiado
travagem = gengivite expulsiva
mambembe = ordinário, inferior
tiririca = raiva
graneis = cavalos
pica-pau héctico = cavalo ruim, tuberculoso
tordilho = cavalo ruço
matungo = sem raça
passarinheiro = espantado
mesmando = pensativo
melodência = qualquer coisa muito preciosa, deliciosa, o mesmo que raio o parta, que delícia!
tió-ó-frade, tió-fró = som de engatilhar a arma (?)
— Foi bonito Manuel... [o autor exprime censura]
você embroma até cigano... = seja o indivíduo é sumamente esperto
jeriza = raiva, ódio
aquela-coisa = vergonha
símplices = medicamentos
cordial = para o coração
coisa-feita = feitiço, bruxaria
embondo = intriga, velhacaria, embaraço, dificuldade, engodo
cacifre = cofre, caixa
caborje = feitiço
pinguelo = revólver
alicantina = astúcia, treta, trapaça
impei = cumprimento servil
falando por metades = sussurrando, murmurando, telegrafando
dentes se mastigavam = rilhavam, de medo ou raiva
gálico = vinha do íntimo, intimíssimo, do subconsciente, lá do fundo...
taba = morada de índio
jogo josé na rua = te ponho na rua
pirrônico = teimoso, e obstinado
berda-Merguério = inútil, imprestável, omisso
pompeando = papeando, falando
tibitíu = tolo, bobo
ancha = larga
carantonha = cara grande e feia, caraça, carranca
quice = faca pequena
desviver = viver de volta, descapotar
 
 


 FARAÓ E A ÁGUA DO RIO (em Tutaméia).
 
O título nos leva a muitas interpretações. Uma delas seria para lembrar que Moisés, o patriarca, dos judeus foi encontrado no rio Nilo. E Moisés também foi nômade, tal como os ciganos. Nota-se que Rosa conhecia bem a cultura e natureza dos ciganos (e os preconceitos dos não-ciganos). No conto Faraó e a água do rio, os ciganos causam fantasias, despertam medos, indagações, afloram sensualidade reprimida e deixam saudades, quando partem. Alguns gajões (não-ciganos) não resistem ao encanto e partem com eles. Os ciganos, deste conto, são caldeireiros, trabalhadores do metal, latoeiros geniais (os calderasch). Eles, felizes, livres, por não terem bens de raiz, como sempre acontece, são perseguidos por dê-cá-aquela-palha e têm de partir. Quando chegam, desestabilizam o status quo. Tudo e todos se envolvem de alguma forma (misticismo, credulidade, medo, raiva, amor, repulsa ou curiosidade).
Faraó — uma das dezenas de nomes/apelidos de ciganos é faraó-nepek, porque a lenda diz que vieram do Egito. Isto é errado, pois vieram da Índia, mas estiveram no Egito também. Está provado por estudos de lingüística comparada, pela etnografia, antropologia e história, que descendem dos Jats, talvez dos Rajputs, guerreiros, no noroeste da Índia, hoje, Paquistão.
Água do rio — É para lembrar santa Sara, que veio do mar. Em 24/25 de maio, em Camargue, França, acontece uma grande romaria de ciganos. É a festa (slava) de Saintes-Maries-de-la-mer). Outra idéia é que o autor queria realçar o banho do cigano, no Riachão e que os ciganos não são sujos. Ou, ainda, queria lembrar a relação dos egípcios com o rio Nilo, porque, sem esse rio o Egito não existiria. Finalmente, o título se amarra com o último parágrafo onde consta: “A água — nela cuspiu — passante, sem cessação.”
tachas de açúcar — lembra os ciganos do grupo calderari, espertos latoeiros, reparadores de alambiques dos fazendeiros.
sobre cachoeira — acima da cachoeira, nas cabeceiras dela, nas nascentes.
Santa rezada no mês de setembro — não atinei com o nome da santa, talvez N. Sa das Graças, ou das Dores. Mas, no Brasil, os ciganos são devotos de N. Sa. Aparecida.
Apartava do laço o assoviar e a chuva da enxurrada — um homem muito esperto, vivo, o que não dá ponto sem nó.
Senhozório — senhor Osório, o dono da fazenda.
Güitchil — não alcancei o significado do nome. Talvez indicar a origem (alemã?) dos ciganos.
Rulú — lembra rolar, o que traz a idéia de impermanência, mudança de lugar, tal como se dá com ciganos, sempre viajando.
nem tendo os mais ordem de abarracar ali — o grupo não podia acampar por ali.
de estranja — do estrangeiro.
por cima de montanhas — os ciganos superam todos os obstáculos da natureza. Um grupo de ciganos, estando no Equador, perguntou a um viajante o caminho do Peru. Ele explicou e disse-lhes que não deveriam levar seus carroções pelos Andes. “Não importa ¾ foi a resposta do cigano ¾ nós tentaremos.”
tratara-os à empreita — contratara-os, por empreitada.
Siozòrinho — Osório Filho.
Siantônia — Sinhá Antônia.
Estranhezas — mistérios.
Sinhalice — a filha, Alice.
Sinhiza — a filha, Luíza.
ainda que do varandão — filhas jovens, solteiras, casadoiras.
imaginado-lhes a cor dos olhos — é universal a admiração dos povos pelos olhos e pelo olhar cigano. [de que tela surgiste, ave, sereia e flama / toda feita de luz e carne?os teus olhares, / nas olheira de fogo, acendem a fagulha / do amor e da paixão, da febre e da saudade]. In A cigana de Alexandrina Scurtu.
“Viu então o rosto do cigano; o nariz retilíneo, os lábios móveis e delgados, o olhar direto e significativo dos olhos negros, que pareciam feri-la num ponto oculto e vital, infalivelmente”. In A virgem e o cigano, de D. H. Lawrence.
sem par — incomparável.
em círculo de foguinho — os ciganos sempre ficam em torno de suas fogueiras, conversando ou dançando e cantando com seus pandeiros e/ou violinos.
perto do chiqueiro, um deles tocava violão — Note-se que são postos nos piores lugares (a exclusão sempre presente). Nas cidades, vão pra os lixões. São conhecidos como exímios instrumentistas, artistas natos, violinistas.
desplante em ciganos e sua conversa — são famosos por falarem livremente palavrões.
Aperto — solda.
Apego aos lugares — em regra, não se sedentarizam, não criam raízes, são eternos viajantes. Modernamente, encontramos ciganos seminômades e sedentários, mas continuam ciganos, em espírito.
Ligeireza do mundo — porque são como o nevoeiro, que desce à noite e desaparece com o Sol. Ciganos são também chamados de filhos-do-vento.
roméia — romanês ou romani, língua dos ciganos.
Algaravia de engano — eles nem sempre estão enganando quando conversam no seu dialeto. Nota-se que a idéia de enganar encerra um preconceito milenar contra ciganos. Ao negociarem as partes, sejam ou não ciganos, tentam superar uma a outra, enfim dar manta como se fala em MG.
bando inteiramente — quando ciganos brigam, todos brigam, é uma confusão total.
dessuava — derretia, desfazia-se em suor, suava em bicas, copiosamente
criaturas com o dobro de pernas e braços — a mulher delirava. Talvez o autor quisesse relembrar a figura da deusa Kali, que na iconografia hindu tem vários braços. Mais tarde, por sincretismo, tornou-se santa Sara Cali, reverenciada pelos ciganos em Saintes-maries-de-la-mer, Camargue, França, em 24/25 de maio.
taque — resmungos.
negado arrimo a José — lenda. Na fuga para o Egito, a Sagrada-Família teria pedido ajuda aos ciganos, sendo-lhe negada. Então foram condenados a deambularem eternamente.
fora-de-raia — fora do perímetro de segurança da fazenda.
amarelos por vermelhos — indica as vestes coloridas dos gitanos.
Florflor — a duplicação traz a idéia de força, transforma feminino em masculino. Os ciganos costumam adotar nomes de plantas, aves e minerais.
operaram, à racha — trabalharam duro.
ganjón — (ou gajão/ganjão); não-cigano. Cigano não tomar banho é muito forte. O desleixo aparente tem um fim, qual seja, manter os estranhos à distância.

casacões — trajados com roupas de festa, a rigor.
aceso das velas — é tradicional, no quarto do enfermo (não-cigano), manter oratório.
aqueles aspectos — aqueles indivíduos extravagantes, contritos.
O rei faraó mandou — remete à lenda de que são oriundos do Egito e por recusarem lavrar a terra, deverão vagar pelo mundo, eternamente.
só de míngua aprendedor, de aflições — o fazendeiro era pobre e deu o “golpe-do-baú” ao casar com Siantônia que era rica: derivada de alto nome, posses. Mas ele estava falido: o curso sob a manta do vexame.
tempo abaixo — decadente.
barriga de sapa — barriga d’água = hidropisia.
adjurando — exorcizando.
alfim — por fim.
a cigana Constantina — o autor não escreve palavra sem uma mensagem. No caso, Constantinopla, onde se deu a primeira notícia sobre ciganos.
pêssega — pele aveludada, mimosa.
tranças de solteira — correto. Só as casadas usam os cabelos soltos cobertos por um lenço, diklô.
alindes — enfeites.
Aníssia... — pendiam-lhe as tranças de solteira e refolhos cobrissem furtos e filtros, dos alindes do corpete à saia rodada, a roçagar os sapatos de salto. Muitos ensinamentos aqui: Sim, as moças ciganas usam tranças e são lindas; quanto ao sapato de salto, a informação é incorreta. Não é usual ciganas usarem sapatos de salto. Em geral andam descalças.
prêmito — aperto, opressão.
ofêgo — fôlego.
palmista — quiromante, leitora de sortes.
Ceca e meca — de lá pra cá, agitados.
nenhum alqueire — como se sabe, ciganos não possuem terras e são felizes, talvez por isso. Como diz GR.: “mas quem sabe o real possuir só deles fosse.”
gringas — ciganos, egípcios, gitanos, tziganos, zíngaros, manuches, quicos etc., são nomes/apelidos dos ciganos, entre muitos outros.
boca dos ventos— ciganos, também chamados de filhos-do-vento. Logo, seguem à frente do vento.
extremosa — no fim, a fazendeira está em estado terminal.
A gente devia estar sempre se indo feito a Sagrada Família fugida — para os ciganos, o sedentarismo (entre paredes) é a causa de muitas doenças. O autor, sabendo do nomadismo cigano, fez frase citada. Seja, viajar sempre é bom para a saúde.
doradiante — doravante.
crer que, aqueles, lavravam para o rei — trabalhar metais para o rei.
rebordosa — confusão.
zingaralhada — ciganada. Zingarella é o nome de N. Senhora pintada por Ticiano com feições de cigana. Ver Enciclopédia Mirador.
Mercês! — acode! socorro! ajudem-nos! por favor! Talvez quisesse nos lembrar de N. S.a das Mercês venerada em 24 de setembro.

manucho — cigano da França.
montadas de banda — Só as solteiras cavalgam assim.
Aníssia, de escanchadas pernas” — assim as ciganas casadas cavalgam, enganchadas. Acredito que GR cometeu um pequenino engano. Aníssia devia estar de lado.
impo — soberbo, garboso, imponente. No texto, alguém teria suicidado por Florflor.
finaldo — terminava.
caraminholava — sonhava, devaneava.
tramposo, quetrefes — trapaceiros, patifes. GR não pensa assim, apenas cita o que é comum acontecer, pois sempre está presente discriminação contra os ciganos: “se há um roubo e há um cigano por perto: prenda o cigano!”
quicos — apelido dos ciganos em Minas Gerais.
tamanho do socorro — ressalvou sua responsabilidade. “Aqui não buliram em nada...”
acossá — perseguidores.
à rapa (=rapapé) — bajulação, mesura.
de guais — ais, lamentos.
farrapompa —diversão.
Sinhazinha sozinha —ficou saudosa.
olor odor — aroma muito forte.
indo tanto a certo esmo — sem orientação, sem norte, ao acaso.
A fazenda Crispins parava deixada... — e tudo volta ao marasmo, à estagnação.
sem se arremiar — na surdina, pois, arremiar = miar forte.
preto-lidar — trabalhar muito.
entrequanto — entretanto.
caprihice — capricho + velhice.
árvores se usurpam — crescem e dobram para as águas.
pegou um mugido de boi — foi atrás deles, isto é, dos ciganos.
O boi desgarrado, de quando em vez dá um mugido. Emite um som que sai do fundo da garganta, rascante, como que dizendo: esperem-me, já vou! Onde estão vocês? E caminha procurando a manada. Em Minas Gerais, pelo menos na Zona da Mata, dizem que do boi tudo se aproveita, exceto o berro. Genialmente, GR arranjou uma utilidade para o berro do boi. Metaforicamente, GR quis dizer que o homem abandonara a pasmaceira da fazenda e fora atrás do seu sonho. Quem sabe, de Aníssia, a cigana? 
 

O OUTRO OU O OUTRO (em Tutaméia).
 
O outro ou o outro [alusão aos poderes ocultos do cigano? Ou seria “o diabo e o diabo” já que o outro significa, também, diabo. Podemos entender assim: O outro = diabo; ou o Outro = Deus. Assim, o poder paranormal do cigano vem de Deus ou do diabo. Um ou outro diríamos nós]
Gajão delegado [quando os ciganos acampam sempre aparece uma autoridade para incomodá-los. Gajão é homem não-cigano, em romani]
Pôs os olhos a escuta [seja, ficou atento em todos os sentidos]
Ao grau de gasto [homem maduro]
Forjicava [forjava, fabricava]
Metalurgir [trabalhar o metal]
Sem modelo nem cópia [sem igual, único]
Faço nada não[ ...] tenho só outro ofício... berlinquesloques. E o que não se vê...[arte ou habilidade misteriosa, poderes paranormais]
de que a gente nem sabe [vidência]
estúrdio [extravagante]
nem a pessoa pega aviso ou sinal, de como e quando o está cumprindo... [é a colheita: cada qual colhe aquilo que semeia. Está na Bíblia]
vinha a sabendas [de propósito]
não a especular ofícios desossados [conhecimentos abstratos, místicos, esotéricos]
Do Ão [arredores de lugar importante]
Recém-quando [recentemente]
Calins [ciganas do grupo calom]
As [elas]
Prazo e improrrôgo [mandá-los embora com dia marcado]
Fundos motivos pessoais [quais seriam esses motivos?]
A melancolia grassava [no lugar, pois os ciganos são alegres, a despeito de tudo]
Amigo vamos abrir o A? [vão embora, partam! andando! Em Minas é usual dizer: “Vamos abrir o compasso!” O compasso lembra o “A”, logo...]. Outros entendem que é início de um diálogo.
Elevou e baixou os braços [sinal de desalento, imprecação silenciosa, impotência, desânimo]
Questão contristada, estampido de borboleta [ou seja, joão-ninguém]
Calão [cigano, calom ou dialeto]
Contramoveu-se [deu um passo atrás ou parou]
Ursos [alusão aos ursari: ciganos treinadores de ursos]
Pois olhe estão faltando coisas [o delegado acusa-os de furto]
Wigwams [tenda de índios americanos]
Lilalilá [assobio]
Cigano Beiju [nome de um cigano, assaltante na serra da Mantiqueira, nos 1700]
Romenho [romani, a língua dos rom ou ciganos]
Destraque [briga]
Fifrilim [sem valor]
Desfatura [fim do incidente]
Patoá [romani; quem não sabe diz que é patoá, jargão, gíria, argot, algaravia, dialeto etc]
Prebixim curvava-se [aparente submissão, é apenas encenação, pois os ciganos são altivos, insubmissos]
Elefante pelo pensamento [muito tempo]
Fina arte e da liberdade [dizem que cigano ama tanto a liberdade que se preso for, morre ou suicida ou definha-se rápido]
O oficio era este [furtar]
Ave, que não [não, ele é um homem especial, um outro]
Fagulhoso [irrequieto]
Rosário de bolas [talvez de contas de santa Maria, muito estranho]



 

 

ZINGARESCA (em Tutaméia).


Os ciganos vêm e agitam o ambiente, sacodem o marasmo, a tranqüilidade vigente no lugar. Fazem acontecer coisas . Partem como nevoeiro, ao nascer do sol. Agem inconscientemente como elementos químicos que provocam reações díspares entre os não-ciganos. Ficamos assustados, medrosos, violentos, curiosos etc. Afloram os desejos íntimos, quebram-se as defesas psíquicas, brotam os maus instintos e, no entanto, apenas querem estar um pouco, descansar e passar...
Zingaresca [mesmo que ciganada, zingaralhada. Ticciano fez um quadro de N. Senhora que pela semelhança cigana, é chamado Zingarella. É também nome da Simphony n. 1 de George Antheil. GR, possivelmente deu este nome por analogia com um acampamento cigano, pela polifonia de vozes, pelo vaivém da ciganada, pelas roupas multicores pela música e dança em torno de fogueira. Zíngaro é usual na poesia e cancioneiro]
Sobrando por enquanto sossego [veja como é sintomática a primeira frase, em face do quedissemos no início. O lugar é um tédio continuado, até que chegam os ciganos]

Rumo a rumo [divisa entre propriedades, fazendas, sítios]

Diversas sortes [diversas espécies de gente]

Contrários lados [ quer dizer que por ali passavam indivíduos de todos os lados, pois o sítio ficava entre o Re-curral e o Água-boa]

Antes, porém, os ciganos ... linguagem [vieram os nômades com roupas coloridas, alegres, soltas, fofas, extravagantes, estranhos, e falando o calom ou romani]

O ciganão Vai-e-Volta [o nome é alusão à vida dos nômades: ir e vir, sempre viajando. No exemplo é o chefe, o Barô]

Sacou o escrito [documento autorizando o acampamento, dado pelo antigo dono. Relembra os salvo-condutos que os primeiros ciganos apresentavam às autoridades européias para transitarem em paz]

Tinham alugado ali uma árvore [eles se satisfaziam com uma árvore, pois são despojados de interesse de posse]

Verter goles de vinho na cova [costume cigano de visitar os mortos e deixar comida para seu espírito. É do ritual cigano realizar aos três (tretiná), nove e quarenta dias após a morte, uma festa em honra do morto. Uma cadeira permanece vazia supondo que o espírito comparecerá. Os restos são jogados num rio]

E o desar [o desarranjo, desassossego]

Cerca do riachó [perto do riacho]

Nenhum grinfo [nenhum moreno (?). Não está claro. Afinal os ciganos são morenos. Talvez o amansador não fosse cigano, e era surdo-mudo]

Encheu as vistas [uma bela vista: a boiada esparramando-se na campina ou num declive suave]

A ciganada se inçando [espalhando como içá, tanajura esvoaçando]

Sem vez de negócio [os ciganos são famosos negociantes e fazedores de baldrocas. Sempre têm volta de algum dinheiro]

Arrecadou o rosário em algibeira [guardou o rosário]

Sô-Lau [senhor Lau, diminutivo de Ladislau]

Vaqueiro com a buzina [com o berrante]

Serafim visonho [vidente kaku, em romani]

Gado em raspador [desarranjo, confusão, agitação, pasto ralo]
Juízo quente [nervoso]
Uma cruz grande às costas [ pagador de promessa]
Rebuço de menino [disfarce]
Ora, ô Ele? [era ele ou eu?]
Culpas encarnadas [parece ser alusão à reencarnação e cumprimento de karma]
Sem-vergonhez [sem-cerimônia, lúbricos. Ciganas usam vestidos muito decotados despertando desejos. Elas consideram que o corpo da metade para cima é puro deve e pode ser mostrado, sem maldade. Da cintura para baixo é impuro (mahrimé), deve ser oculto. Assim usam saias enormes (e às vezes sete saias sobrepostas) com sete metros de pano e longas. Ciganas só mostram os pés. Estão errados aqueles que fazem filmes, novelas e romances com ciganas mostrando as pernas]
Decerto salteado por aí algum fazendeiro [estereótipo cigano de salteador. Recorrente em todos escritores, até em GR]
A mulher de Zepaz piscava outra vez, na janela [observa-se que a leviandade é dela]
Subindo fingidas ladeiras [está curvado, aparentemente submisso]
Zé Voivoda [voivoda, antigo nome de chefe de clã na Transilvânia]
Remedada [fingida. Os ciganos adotam a religião do país que os acolhe]
Lua subida sobresselente [lua-cheia]
Trastalastrás [distante, além, longe]
Furupa [agitados]
Rãzoar [coaxar das rãs]
Sei lá de ontem? ... o amanhã é meu [cigano é pragmático, por questão de sobrevivência, ele vive o dia-a-dia. Sem se preocupar com o passado e com o que virá]
Parlapá [ fala]
Florflor [se fosse Flor, poderia ser mulher; dobrada, adquire tom macho. Coisas de Rosa. De fato ciganos adotam nomes extravagantes. Quando nasce, a mãe sopra no ouvido do neném um nome que só ela saberá é para evitar que os espíritos “entrem” no bebê. Depois ele é batizado com um nome que será conhecido pelos gajões (nós) e têm ainda um terceiro nome, pelo qual será conhecido no clã]
Mundo prateado [mundo enluarado, noite enluarada]
Nem um cigano [os ciganos partem com a cerração, às vezes silenciosos, partem assim quando têm medo]
Descamparem [partem assim quando assustados]
Sopesava a cruz [apertava a cruz, levantado-a na mão]
Griséu [grisalho]
Vôte [interjeição de desaprovação]
Alastra [abre]
Enfeixa [segura com a mão crispada]
Continha um vazio [cruz de pau-oco, para esconder ouro, prata e dinheiro]
Ele furtou [o não-cigano furtou. GR nos informa, no conto, que, apesar de tudo, quem rouba são os gajões, i. é, não-ciganos.
O que não produz nem granjeia [nada tem. Seria o caso de o bem mal adquirido não se aproveita?]
A mulher de Zepaz com o cigano [quer dizer, ela prevaricou, ela o procurou na tenda, ela errou]
De vermelho prateou [fulo de raiva]
Xis [cruzar as pernas fazendo esta letra]
Credos desentoa [reza atabalhoadamente]
Galo cantava sem onde [desorientado. Lembra ouviu o galo cantar e não sabe onde]
São coisas de outras coisas [feitiço (?)]
Destrambelhos [doidice, loucura]
Os sons berrantes encheram o adiante [foram ouvidos longe, longe]
 
 
Síntese:        
                                                              
                                                Ciganos
 
           Chegaram e provaram para o sitiante (irado), que haviam pago o aluguel de uma árvore (antecipadamente) para o antigo dono do sítio.
           Chamaram o padre para serviços religiosos (que atrevimento).
           O padre veio mediante pagamento generoso.
           Foram ameaçados pelo boiadeiro, cozinheiro.
           Mostraram-se respeitosos com o capataz.
           Fizeram festa e convidaram os estrangeiros, uns aceitaram outros não.
           São alegres, bons dançarinos tocam instrumentos.
           São domadores profissionais.
           Foram furtados.
           Partiram sem pagar aluguel do pasto. Zepaz, furioso, se vingou na natureza, pegando um machado.
                                                                                                        
                                         E os outros...
 
           Zepaz era mau e vingativo. Bateu e apanhou da mulher, cobrou alugueis e vingou-se numa árvore.
           Sua mulher era leviana, doidivanas.
           O padre, interesseiro.
           O corcunda falso.
           A cruz, oca, para esconder valores.
           O negro, um homem de bem. Testemunhou a favor dos ciganos (poderia se omitir).
 Texto:  Asséde Paiva, Rev. Acir Reis, 23/3/2006.
 
 
 
 
 
 
 

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