“O corpo fechado”
“Faraó e a água do rio”
“O outro e o outro”
“Zingaresca”
ROSA-CIGANO
João Guimarães Rosa (1908-1967), aqui chamado GR, médico, poeta, prosador, diplomata, poliglota. Em uma entrevista disse o seguinte: Falo português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras.
A seguir, tentativa de interpretação de um conto de Guimarães Rosa, onde aparecem ciganos. O conto está em Sagarana, à (p. 256) e intitula-se O corpo fechado. Os ciganos aparecem como recheio e para justificar a esperteza/velhacaria do mocinho do conto, o Manuel Fulô. GR se não amava os ciganos, pelo menos os respeitava, os admirava e os entendia/conhecia muito bem. Nesta estória, GR evidencia a tremenda capacidade negocial (baldroca) dos ciganos, em relação a cavalos, bem como, a possibilidade de serem enganados neste mister, por nós outros, não-ciganos. Seja: somos mais velhacos do que os ciganos. Os demais contos sobre esses nômades estão em Tutaméia, intitulados:
A seguir, tentativa de interpretação de um conto de Guimarães Rosa, onde aparecem ciganos. O conto está em Sagarana, à (p. 256) e intitula-se O corpo fechado. Os ciganos aparecem como recheio e para justificar a esperteza/velhacaria do mocinho do conto, o Manuel Fulô. GR se não amava os ciganos, pelo menos os respeitava, os admirava e os entendia/conhecia muito bem. Nesta estória, GR evidencia a tremenda capacidade negocial (baldroca) dos ciganos, em relação a cavalos, bem como, a possibilidade de serem enganados neste mister, por nós outros, não-ciganos. Seja: somos mais velhacos do que os ciganos. Os demais contos sobre esses nômades estão em Tutaméia, intitulados:
Faraó e a água do rio, onde releva a capacidade dos ciganos em trabalhar o cobre,
o belo metal, o belo trabalho (p. 57).
O outro ou o outro, focaliza os poderes místicos: o ofício então era esse? O
próprio título, segundo meu entender, quer dizer: Deus ou o diabo (p. 105).
Zingaresca. Nele o autor ressalta a alegria dos ciganos, sua
sensualidade, bem como a hipocrisia dos não ciganos (p. 201).
O CORPO FECHADO (em Sagarana).
peça e meia de galão = tecido bordado, entrelaçado para
enfeite de caixão
cuéra = qual é
casa de grades = cadeia. Entre marginais é casa-grandefarroma = valentia falsa
murguêia = dobrar, vergar, curvar
serrar de cima = partir para cima, atacar, brigar
quincumbim = cemitério
gastura = irritação, aflição, mal-estar
clavinote = carabina pequena
challenger = desafiante
Aretino do arraial = panfletário, poeta. Relembra Pietro
Aretino, poeta e escritor italiano, obsceno
pataleio = plac, plac, plac, plac; patalear. É o andar do
cavalo
encorujou = atrofiou
pubo = fermentado
tribo de trapeiros fracassados = vendedores de coisas sem
valor, mascates
nhata = prognata (o texto explica)
sacudidona = bem apessoada, bem apanhada, forte, saudável
santantônio = cabeçote do arreio
amadrinhado com ciganos = junto com eles, fazendo parte do
clã. Indica que os ciganos são hospitaleiros
mamparra = velhacaria, malandragem, evasivas
trêtas todas dos calões = todos ardis dos ciganos. Calões
são ciganos vindos da Península Ibérica
marombando = dissimulando
ganjão = não-cigano
baldroca = troca, negócio
bragado = diz-se do cavalo que tem pernas de cor diferente
do resto do corpo
murzelo = besta de cor preta
pensavam que estavam me cinzando = enganando
uma osga! = uma ova!
sojigar = dominar, conter
truvancas = esporas
merenguem = grana, dinheiro
condizendo = contar + dizer
gazeo = olhos claros
sobrecanas = tumor ossificado que nasce na curva da perna do
cavalo
baio = cavalo de cor de ouro desmaiado
travagem = gengivite expulsiva
mambembe = ordinário, inferior
tiririca = raiva
graneis = cavalos
pica-pau héctico = cavalo ruim, tuberculoso
tordilho = cavalo ruço
matungo = sem raça
passarinheiro = espantado
mesmando = pensativo
melodência = qualquer coisa muito preciosa, deliciosa, o
mesmo que raio o parta, que delícia!
tió-ó-frade, tió-fró = som de engatilhar a arma (?)
— Foi bonito Manuel... [o autor exprime censura]
você embroma até cigano... = seja o indivíduo é sumamente
esperto
jeriza = raiva, ódio
aquela-coisa = vergonha
símplices = medicamentos
cordial = para o coração
coisa-feita = feitiço, bruxaria
embondo = intriga, velhacaria, embaraço, dificuldade, engodo
cacifre = cofre, caixa
caborje = feitiço
pinguelo = revólver
alicantina = astúcia, treta, trapaça
impei = cumprimento servil
falando por metades = sussurrando, murmurando, telegrafando
dentes se mastigavam = rilhavam, de medo ou raiva
gálico = vinha do íntimo, intimíssimo, do subconsciente, lá
do fundo...
taba = morada de índio
jogo josé na rua = te ponho na rua
pirrônico = teimoso, e obstinado
berda-Merguério = inútil, imprestável, omisso
pompeando = papeando, falando
tibitíu = tolo, bobo
ancha = larga
carantonha = cara grande e feia, caraça, carranca
quice = faca pequena
desviver = viver de volta, descapotar
O título nos leva a muitas interpretações. Uma delas seria
para lembrar que Moisés, o patriarca, dos judeus foi encontrado no rio Nilo. E
Moisés também foi nômade, tal como os ciganos. Nota-se que Rosa conhecia bem a
cultura e natureza dos ciganos (e os preconceitos dos não-ciganos). No conto
Faraó e a água do rio, os ciganos causam fantasias, despertam medos,
indagações, afloram sensualidade reprimida e deixam saudades, quando partem.
Alguns gajões (não-ciganos) não resistem ao encanto e partem com eles. Os
ciganos, deste conto, são caldeireiros, trabalhadores do metal, latoeiros
geniais (os calderasch). Eles, felizes, livres, por não terem bens de raiz,
como sempre acontece, são perseguidos por dê-cá-aquela-palha e têm de partir.
Quando chegam, desestabilizam o status quo. Tudo e todos se envolvem de alguma
forma (misticismo, credulidade, medo, raiva, amor, repulsa ou curiosidade).
Faraó — uma das dezenas de nomes/apelidos de ciganos é
faraó-nepek, porque a lenda diz que vieram do Egito. Isto é errado, pois vieram
da Índia, mas estiveram no Egito também. Está provado por estudos de
lingüística comparada, pela etnografia, antropologia e história, que descendem
dos Jats, talvez dos Rajputs, guerreiros, no noroeste da Índia, hoje,
Paquistão.
Água do rio — É para lembrar santa Sara, que veio do mar. Em
24/25 de maio, em Camargue, França, acontece uma grande romaria de ciganos. É a
festa (slava) de Saintes-Maries-de-la-mer). Outra idéia é que o autor queria
realçar o banho do cigano, no Riachão e que os ciganos não são sujos. Ou,
ainda, queria lembrar a relação dos egípcios com o rio Nilo, porque, sem esse
rio o Egito não existiria. Finalmente, o título se amarra com o último
parágrafo onde consta: “A água — nela cuspiu — passante, sem cessação.”
tachas de açúcar — lembra os ciganos do grupo calderari,
espertos latoeiros, reparadores de alambiques dos fazendeiros.
sobre cachoeira — acima da cachoeira, nas cabeceiras dela,
nas nascentes.
Santa rezada no mês de setembro — não atinei com o nome da
santa, talvez N. Sa das Graças, ou das Dores. Mas, no Brasil, os ciganos são
devotos de N. Sa. Aparecida.
Apartava do laço o assoviar e a chuva da enxurrada — um homem
muito esperto, vivo, o que não dá ponto sem nó.
Senhozório — senhor Osório, o dono da fazenda.
Güitchil — não alcancei o significado do nome. Talvez
indicar a origem (alemã?) dos ciganos.
Rulú — lembra rolar, o que traz a idéia de impermanência,
mudança de lugar, tal como se dá com ciganos, sempre viajando.
nem tendo os mais ordem de abarracar ali — o grupo não podia
acampar por ali.
de estranja — do estrangeiro.
por cima de montanhas — os ciganos superam todos os
obstáculos da natureza. Um grupo de ciganos, estando no Equador, perguntou a um
viajante o caminho do Peru. Ele explicou e disse-lhes que não deveriam levar
seus carroções pelos Andes. “Não importa ¾ foi a resposta do cigano ¾ nós
tentaremos.”
tratara-os à empreita — contratara-os, por empreitada.
Siozòrinho — Osório Filho.
Siantônia — Sinhá Antônia.
Estranhezas — mistérios.
Sinhalice — a filha, Alice.
Sinhiza — a filha, Luíza.
ainda que do varandão — filhas jovens, solteiras,
casadoiras.
imaginado-lhes a cor dos olhos — é universal a admiração dos
povos pelos olhos e pelo olhar cigano. [de que tela surgiste, ave, sereia e
flama / toda feita de luz e carne?os teus olhares, / nas olheira de fogo,
acendem a fagulha / do amor e da paixão, da febre e da saudade]. In A cigana de
Alexandrina Scurtu.
“Viu então o rosto do cigano; o nariz retilíneo, os lábios
móveis e delgados, o olhar direto e significativo dos olhos negros, que
pareciam feri-la num ponto oculto e vital, infalivelmente”. In A virgem e o
cigano, de D. H. Lawrence.
sem par — incomparável.
em círculo de foguinho — os ciganos sempre ficam em torno de
suas fogueiras, conversando ou dançando e cantando com seus pandeiros e/ou
violinos.
perto do chiqueiro, um deles tocava violão — Note-se que são
postos nos piores lugares (a exclusão sempre presente). Nas cidades, vão pra os
lixões. São conhecidos como exímios instrumentistas, artistas natos, violinistas.
desplante em ciganos e sua conversa — são famosos por
falarem livremente palavrões.
Aperto — solda.
Apego aos lugares — em regra, não se sedentarizam, não criam
raízes, são eternos viajantes. Modernamente, encontramos ciganos seminômades e
sedentários, mas continuam ciganos, em espírito.
Ligeireza do mundo — porque são como o nevoeiro, que desce à
noite e desaparece com o Sol. Ciganos são também chamados de filhos-do-vento.
roméia — romanês ou romani, língua dos ciganos.
Algaravia de engano — eles nem sempre estão enganando quando
conversam no seu dialeto. Nota-se que a idéia de enganar encerra um preconceito
milenar contra ciganos. Ao negociarem as partes, sejam ou não ciganos, tentam
superar uma a outra, enfim dar manta como se fala em MG.
bando inteiramente — quando ciganos brigam, todos brigam, é
uma confusão total.
dessuava — derretia, desfazia-se em suor, suava em bicas,
copiosamente
criaturas com o dobro de pernas e braços — a mulher
delirava. Talvez o autor quisesse relembrar a figura da deusa Kali, que na
iconografia hindu tem vários braços. Mais tarde, por sincretismo, tornou-se
santa Sara Cali, reverenciada pelos ciganos em Saintes-maries-de-la-mer,
Camargue, França, em 24/25 de maio.
taque — resmungos.
negado arrimo a José — lenda. Na fuga para o Egito, a
Sagrada-Família teria pedido ajuda aos ciganos, sendo-lhe negada. Então foram
condenados a deambularem eternamente.
fora-de-raia — fora do perímetro de segurança da fazenda.
amarelos por vermelhos — indica as vestes coloridas dos
gitanos.
Florflor — a duplicação traz a idéia de força, transforma
feminino em masculino. Os ciganos costumam adotar nomes de plantas, aves e
minerais.
operaram, à racha — trabalharam duro.
ganjón — (ou gajão/ganjão); não-cigano. Cigano não tomar
banho é muito forte. O desleixo aparente tem um fim, qual seja, manter os
estranhos à distância.
casacões — trajados com roupas de festa, a rigor.
casacões — trajados com roupas de festa, a rigor.
aceso das velas — é tradicional, no quarto do enfermo
(não-cigano), manter oratório.
aqueles aspectos — aqueles indivíduos extravagantes,
contritos.
O rei faraó mandou — remete à lenda de que são oriundos do
Egito e por recusarem lavrar a terra, deverão vagar pelo mundo, eternamente.
só de míngua aprendedor, de aflições — o fazendeiro era
pobre e deu o “golpe-do-baú” ao casar com Siantônia que era rica: derivada de
alto nome, posses. Mas ele estava falido: o curso sob a manta do vexame.
tempo abaixo — decadente.
barriga de sapa — barriga d’água = hidropisia.
adjurando — exorcizando.
alfim — por fim.
a cigana Constantina — o autor não escreve palavra sem uma
mensagem. No caso, Constantinopla, onde se deu a primeira notícia sobre
ciganos.
pêssega — pele aveludada, mimosa.
tranças de solteira — correto. Só as casadas usam os cabelos
soltos cobertos por um lenço, diklô.
alindes — enfeites.
Aníssia... — pendiam-lhe as tranças de solteira e refolhos
cobrissem furtos e filtros, dos alindes do corpete à saia rodada, a roçagar os
sapatos de salto. Muitos ensinamentos aqui: Sim, as moças ciganas usam tranças e
são lindas; quanto ao sapato de salto, a informação é incorreta. Não é usual
ciganas usarem sapatos de salto. Em geral andam descalças.
prêmito — aperto, opressão.
ofêgo — fôlego.
palmista — quiromante, leitora de sortes.
Ceca e meca — de lá pra cá, agitados.
nenhum alqueire — como se sabe, ciganos não possuem terras e
são felizes, talvez por isso. Como diz GR.: “mas quem sabe o real possuir só
deles fosse.”
gringas — ciganos, egípcios, gitanos, tziganos, zíngaros,
manuches, quicos etc., são nomes/apelidos dos ciganos, entre muitos outros.
boca dos ventos— ciganos, também chamados de
filhos-do-vento. Logo, seguem à frente do vento.
extremosa — no fim, a fazendeira está em estado terminal.
A gente devia estar sempre se indo feito a Sagrada Família
fugida — para os ciganos, o sedentarismo (entre paredes) é a causa de muitas
doenças. O autor, sabendo do nomadismo cigano, fez frase citada. Seja, viajar
sempre é bom para a saúde.
doradiante — doravante.
crer que, aqueles, lavravam para o rei — trabalhar metais para
o rei.
rebordosa — confusão.
zingaralhada — ciganada. Zingarella é o nome de N. Senhora
pintada por Ticiano com feições de cigana. Ver Enciclopédia Mirador.
Mercês! — acode! socorro! ajudem-nos! por favor! Talvez
quisesse nos lembrar de N. S.a das Mercês venerada em 24 de setembro.
manucho — cigano da França.
manucho — cigano da França.
montadas de banda — Só as solteiras cavalgam assim.
Aníssia, de escanchadas pernas” — assim as ciganas casadas
cavalgam, enganchadas. Acredito que GR cometeu um pequenino engano. Aníssia
devia estar de lado.
impo — soberbo, garboso, imponente. No texto, alguém teria
suicidado por Florflor.
finaldo — terminava.
caraminholava — sonhava, devaneava.
tramposo, quetrefes — trapaceiros, patifes. GR não pensa
assim, apenas cita o que é comum acontecer, pois sempre está presente
discriminação contra os ciganos: “se há um roubo e há um cigano por perto:
prenda o cigano!”
quicos — apelido dos ciganos em Minas Gerais.
tamanho do socorro — ressalvou sua responsabilidade. “Aqui
não buliram em nada...”
acossá — perseguidores.
à rapa (=rapapé) — bajulação, mesura.
de guais — ais, lamentos.
farrapompa —diversão.
Sinhazinha sozinha —ficou saudosa.
olor odor — aroma muito forte.
indo tanto a certo esmo — sem orientação, sem norte, ao
acaso.
A fazenda Crispins parava deixada... — e tudo volta ao
marasmo, à estagnação.
sem se arremiar — na surdina, pois, arremiar = miar forte.
preto-lidar — trabalhar muito.
entrequanto — entretanto.
caprihice — capricho + velhice.
árvores se usurpam — crescem e dobram para as águas.
pegou um mugido de boi — foi atrás deles, isto é, dos
ciganos.
O boi desgarrado, de quando em vez dá um mugido. Emite um
som que sai do fundo da garganta, rascante, como que dizendo: esperem-me, já
vou! Onde estão vocês? E caminha procurando a manada. Em Minas Gerais, pelo
menos na Zona da Mata, dizem que do boi tudo se aproveita, exceto o berro.
Genialmente, GR arranjou uma utilidade para o berro do boi. Metaforicamente, GR
quis dizer que o homem abandonara a pasmaceira da fazenda e fora atrás do seu
sonho. Quem sabe, de Aníssia, a cigana?
O OUTRO OU O OUTRO (em Tutaméia).
O outro ou o outro [alusão aos poderes ocultos do cigano?
Ou seria “o diabo e o diabo” já que o outro significa, também, diabo. Podemos
entender assim: O outro = diabo; ou o Outro = Deus. Assim, o poder paranormal
do cigano vem de Deus ou do diabo. Um ou outro diríamos nós]
Gajão delegado [quando os ciganos acampam sempre aparece
uma autoridade para incomodá-los. Gajão é homem não-cigano, em romani]
Pôs os olhos a escuta [seja, ficou atento em todos os
sentidos]
Ao grau de gasto [homem maduro]
Forjicava [forjava, fabricava]
Metalurgir [trabalhar o metal]
Sem modelo nem cópia [sem igual, único]
Faço nada não[ ...] tenho só outro ofício...
berlinquesloques. E o que não se vê...[arte ou habilidade misteriosa, poderes
paranormais]
de que a gente nem sabe [vidência]
estúrdio [extravagante]
nem a pessoa pega aviso ou sinal, de como e quando o está
cumprindo... [é a colheita: cada qual colhe aquilo que semeia. Está na Bíblia]
vinha a sabendas [de propósito]
não a especular ofícios desossados [conhecimentos
abstratos, místicos, esotéricos]
Do Ão [arredores de lugar importante]
Recém-quando [recentemente]
Calins [ciganas do grupo calom]
As [elas]
Prazo e improrrôgo [mandá-los embora com dia marcado]
Fundos motivos pessoais [quais seriam esses motivos?]
A melancolia grassava [no lugar, pois os ciganos são
alegres, a despeito de tudo]
Amigo vamos abrir o A? [vão embora, partam! andando! Em
Minas é usual dizer: “Vamos abrir o compasso!” O compasso lembra o “A”,
logo...]. Outros entendem que é início de um diálogo.
Elevou e baixou os braços [sinal de desalento, imprecação
silenciosa, impotência, desânimo]
Questão contristada, estampido de borboleta [ou seja,
joão-ninguém]
Calão [cigano, calom ou dialeto]
Contramoveu-se [deu um passo atrás ou parou]
Ursos [alusão aos ursari: ciganos treinadores de ursos]
Pois olhe estão faltando coisas [o delegado acusa-os de
furto]
Wigwams [tenda de índios americanos]
Lilalilá [assobio]
Cigano Beiju [nome de um cigano, assaltante na serra da
Mantiqueira, nos 1700]
Romenho [romani, a língua dos rom ou ciganos]
Destraque [briga]
Fifrilim [sem valor]
Desfatura [fim do incidente]
Patoá [romani; quem não sabe diz que é patoá, jargão,
gíria, argot, algaravia, dialeto etc]
Prebixim curvava-se [aparente submissão, é apenas
encenação, pois os ciganos são altivos, insubmissos]
Elefante pelo pensamento [muito tempo]
Fina arte e da liberdade [dizem que cigano ama tanto a
liberdade que se preso for, morre ou suicida ou definha-se rápido]
O oficio era este [furtar]
Ave, que não [não, ele é um homem especial, um outro]
Fagulhoso [irrequieto]
Rosário de bolas [talvez de contas de santa Maria, muito
estranho]
ZINGARESCA (em Tutaméia).
Os
ciganos vêm e agitam o ambiente, sacodem o marasmo, a tranqüilidade vigente no
lugar. Fazem acontecer coisas . Partem como nevoeiro, ao nascer do sol. Agem
inconscientemente como elementos químicos que provocam reações díspares entre
os não-ciganos. Ficamos assustados, medrosos, violentos, curiosos etc. Afloram
os desejos íntimos, quebram-se as defesas psíquicas, brotam os maus instintos
e, no entanto, apenas querem estar um pouco, descansar e passar...
Sobrando por enquanto sossego [veja como é sintomática a primeira frase, em face do quedissemos no início. O lugar é um tédio continuado, até que chegam os ciganos]
Rumo a rumo [divisa
entre propriedades, fazendas, sítios]
Diversas sortes [diversas espécies de gente]
Contrários lados [ quer dizer que por ali passavam indivíduos de todos os lados, pois o sítio ficava entre o Re-curral e o Água-boa]
Antes, porém, os ciganos ... linguagem [vieram os nômades com roupas coloridas, alegres, soltas, fofas, extravagantes, estranhos, e falando o calom ou romani]
Diversas sortes [diversas espécies de gente]
Contrários lados [ quer dizer que por ali passavam indivíduos de todos os lados, pois o sítio ficava entre o Re-curral e o Água-boa]
Antes, porém, os ciganos ... linguagem [vieram os nômades com roupas coloridas, alegres, soltas, fofas, extravagantes, estranhos, e falando o calom ou romani]
O ciganão Vai-e-Volta [o
nome é alusão à vida dos nômades: ir e vir, sempre viajando. No exemplo é o
chefe, o Barô]
Sacou o escrito
[documento autorizando o acampamento, dado pelo antigo dono. Relembra os
salvo-condutos que os primeiros ciganos apresentavam às autoridades européias
para transitarem em paz]
Tinham alugado ali uma
árvore [eles se satisfaziam com uma árvore, pois são despojados de interesse de
posse]
Verter goles de vinho na
cova [costume cigano de visitar os mortos e deixar comida para seu espírito. É
do ritual cigano realizar aos três (tretiná), nove e quarenta dias após a
morte, uma festa em honra do morto. Uma cadeira permanece vazia supondo que o
espírito comparecerá. Os restos são jogados num rio]
E o desar [o desarranjo,
desassossego]
Cerca do riachó [perto
do riacho]
Nenhum grinfo [nenhum
moreno (?). Não está claro. Afinal os ciganos são morenos. Talvez o amansador
não fosse cigano, e era surdo-mudo]
Encheu as vistas [uma
bela vista: a boiada esparramando-se na campina ou num declive suave]
A ciganada se inçando
[espalhando como içá, tanajura esvoaçando]
Sem vez de negócio [os
ciganos são famosos negociantes e fazedores de baldrocas. Sempre têm volta de
algum dinheiro]
Arrecadou o rosário em
algibeira [guardou o rosário]
Sô-Lau [senhor Lau,
diminutivo de Ladislau]
Vaqueiro com a buzina
[com o berrante]
Serafim visonho [vidente
kaku, em romani]
Gado em raspador
[desarranjo, confusão, agitação, pasto ralo]
Juízo quente [nervoso]
Uma cruz grande às
costas [ pagador de promessa]
Rebuço de menino
[disfarce]
Ora, ô Ele? [era ele ou
eu?]
Culpas encarnadas
[parece ser alusão à reencarnação e cumprimento de karma]
Sem-vergonhez
[sem-cerimônia, lúbricos. Ciganas usam vestidos muito decotados despertando
desejos. Elas consideram que o corpo da metade para cima é puro deve e pode ser
mostrado, sem maldade. Da cintura para baixo é impuro (mahrimé), deve ser
oculto. Assim usam saias enormes (e às vezes sete saias sobrepostas) com sete
metros de pano e longas. Ciganas só mostram os pés. Estão errados aqueles que
fazem filmes, novelas e romances com ciganas mostrando as pernas]
Decerto salteado por aí
algum fazendeiro [estereótipo cigano de salteador. Recorrente em todos
escritores, até em GR]
A mulher de Zepaz
piscava outra vez, na janela [observa-se que a leviandade é dela]
Subindo fingidas
ladeiras [está curvado, aparentemente submisso]
Zé Voivoda [voivoda,
antigo nome de chefe de clã na Transilvânia]
Remedada [fingida. Os
ciganos adotam a religião do país que os acolhe]
Lua subida sobresselente
[lua-cheia]
Trastalastrás [distante,
além, longe]
Furupa [agitados]
Rãzoar [coaxar das rãs]
Sei lá de ontem? ... o
amanhã é meu [cigano é pragmático, por questão de sobrevivência, ele vive o
dia-a-dia. Sem se preocupar com o passado e com o que virá]
Parlapá [ fala]
Florflor [se fosse Flor,
poderia ser mulher; dobrada, adquire tom macho. Coisas de Rosa. De fato ciganos
adotam nomes extravagantes. Quando nasce, a mãe sopra no ouvido do neném um
nome que só ela saberá é para evitar que os espíritos “entrem” no bebê. Depois
ele é batizado com um nome que será conhecido pelos gajões (nós) e têm ainda um
terceiro nome, pelo qual será conhecido no clã]
Nem um cigano [os
ciganos partem com a cerração, às vezes silenciosos, partem assim quando têm
medo]
Descamparem [partem
assim quando assustados]
Sopesava a cruz
[apertava a cruz, levantado-a na mão]
Griséu [grisalho]
Vôte [interjeição de
desaprovação]
Alastra [abre]
Enfeixa [segura com a
mão crispada]
Continha um vazio [cruz
de pau-oco, para esconder ouro, prata e dinheiro]
Ele furtou [o não-cigano
furtou. GR nos informa, no conto, que, apesar de tudo, quem rouba são os
gajões, i. é, não-ciganos.
O que não produz nem
granjeia [nada tem. Seria o caso de o bem mal adquirido não se aproveita?]
A mulher de Zepaz com o
cigano [quer dizer, ela prevaricou, ela o procurou na tenda, ela errou]
De vermelho prateou
[fulo de raiva]
Xis [cruzar as pernas
fazendo esta letra]
Credos desentoa [reza
atabalhoadamente]
Galo cantava sem onde
[desorientado. Lembra ouviu o galo cantar e não sabe onde]
São coisas de outras coisas
[feitiço (?)]
Destrambelhos [doidice,
loucura]
Os sons berrantes
encheram o adiante [foram ouvidos longe, longe]
Síntese:
• Chegaram e
provaram para o sitiante (irado), que haviam pago o aluguel de uma árvore
(antecipadamente) para o antigo dono do sítio.
• Chamaram o
padre para serviços religiosos (que atrevimento).
• O padre
veio mediante pagamento generoso.
• Foram
ameaçados pelo boiadeiro, cozinheiro.
• Mostraram-se
respeitosos com o capataz.
• Fizeram
festa e convidaram os estrangeiros, uns aceitaram outros não.
• São
alegres, bons dançarinos tocam instrumentos.
• São
domadores profissionais.
• Foram
furtados.
• Partiram
sem pagar aluguel do pasto. Zepaz, furioso, se vingou na natureza, pegando um
machado.
• Zepaz era
mau e vingativo. Bateu e apanhou da mulher, cobrou alugueis e vingou-se numa
árvore.
• Sua mulher
era leviana, doidivanas.
• O padre,
interesseiro.
• O corcunda
falso.
• A cruz,
oca, para esconder valores.
• O negro, um
homem de bem. Testemunhou a favor dos ciganos (poderia se omitir).
Texto: Asséde Paiva,
Rev. Acir Reis, 23/3/2006.
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