sábado, 18 de novembro de 2017

Lúcifer o Anjo Decaído


Como caíste do céu astro brilhante, filho da aurora?

Como foste arrojado por terra, tu que vencias as nações?
 
E tu dizias em teu coração:

“Subirei até o céu, acima das estrelas de Deus estabelecerei o meu trono.”

“Assentar-me-ei no monte da Assembléia, nos confins do norte.”

“Subirei no cume das nuvens, serei semelhante ao Altíssimo.”

Mas serás lançado no Xeol, nas profundezas do abismo. (Isaías 14, 12-15)
 






Nessas linhas, Isaías resume a história da rebelião de Lúcifer, ‘filho da aurora’, e de sua queda, que deu origem ao conflito entre os anjos que eram fiéis a Deus e aqueles que se aliaram ao rebelde. É um mito que fascinou poetas como Dante e Byron.

Segundo Orígenes, existiam ainda alguns ‘anjos hesitantes’, em dúvida quanto ao partido que iriam tomar, se o de Deus ou o de Lúcifer. Foi dessas criaturas hesitantes e irresolutas, situadas permanentemente entre o bem e o mal e incapazes de chegar a alguma decisão definitiva, que alguns imaginam ter-se originado a raça humana.


Quando ocorreu essa divisão? Deve ter sido antes de Deus ter posto Adão e Eva no jardim de Éden, pois quando eles chegaram o ‘tentador’ já estava lá, alerta e pronto para agir. Por outro lado, porém, depois de ter completado a criação e antes de descansar no sétimo dia, Deus viu que tudo que tinha criado ‘era bom’. Isso significa que a rebelião ainda não tinha ocorrido.

A Bíblia não tem nenhum relato detalhado dessa rebelião contra Deus, embora encontremos breves referências no Antigo e no Novo Testamento, em particular, como vimos, em Isaías. No Apocalipse de João, afirma-se que Lúcifer conquistou um terço das estrelas do céu: “apareceu no céu outro sinal: e eis um grande dragão cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres e sobre as cabeças sete coroas. A cauda varreu do céu a terça parte dos astros e os precipitou sobre a terra (...)” (Apocalipse 12, 3-4).
 
 
Outro trecho da Bíblia: “Quando os homens começaram a multiplicar-se na terra e tiveram filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram bonitas, escolheram para mulher as que entre elas mais lhe agradavam" (Gênesis 6,1-2). Isto sugere outro motivo possível para a queda dos anjos e sua perdição.

 
E esses anjos que se deitaram na terra com as filhas dos homens ficaram cada vez mais malvados. Isto enfureceu Deus, que decidiu exterminar todos eles, com exceção de Noé. Essa é a história do dilúvio. Esta segunda tradição, como vimos, também se encontra no apócrifo Livro de Enoque, embora não faça menção a Lúcifer. Assim, continua a ser um mistério seu relacionamento com aquele a quem São Paulo se refere em sua Epístola aos Efésios (2, 2) como o ‘príncipe do poder’. Contudo, Ezequiel diz o seguinte a seu respeito:

“(...) Tu eras um modelo perfeito, cheio de sabedoria, a perfeita beleza. No Éden, no jardim de Deus, te achavas. De todo o tipo de pedras preciosas era o teu manto: cornalina, topázio, berilo, crisólito, ônix, jaspe, safira, granada e esmeralda. Teus engastes foram trabalhados em ouro, preparados no dia em que foste criado. Com um querubim protetor eu te havia colocado (...). Com teu intenso comércio, encheste teu interior de violência e pecaste (...). Teu coração se tornou soberbo por causa de tua beleza, corrompeste tua sabedoria por causa de teu esplendor (...)” (Ezequiel 28, 12-17).
 

Lúcifer, ‘o portador de luz’, foi o mais perfeito, o mais esplendoroso dos anjos que Deus criou para Sua glória. Mas não conseguiu continuar a desempenhar esse papel, e desejou governar os céus no lugar de Deus, ser a autoridade suprema. Cometeu o pecado do orgulho e tentou se apropriar daquilo que não lhe pertencia.


Se analisarmos bem, veremos que esse é o mesmo motivo de luta entre os próprios seres humanos. O conflito que se iniciou no céu prossegue na terra e envolve a todos, entra dia, sai dia. É o poder do bem contra o do mal, e tem tido lugar desde o princípio dos tempos — até hoje, exceto pela promessa que temos de que os poderes do mal não triunfarão.

A existência do Diabo é parte integrante da doutrina da Igreja Católica. Foi reiterada por vários papas e, com certa freqüência, tem sido tema de discussão entre os fiéis. Resumindo essa doutrina, o monsenhor Corrado Balducci, que dedicou muitas horas de estudo profundo ao diabo, diz em seu livro Le possessione diabólica.

Satã é, antes de mais nada, uma criatura de Deus, tal como o homem, embora dotado de poderes e de uma natureza muito superiores. Mais precisamente é um anjo decaído.


Mesmo os anjos, antes de poderem desfrutar da eterna beatitude, foram postos à prova. E uma boa parte deles se rebelou, embora não tenham tido — como os humanos — a possibilidade de redenção, pois estavam plenamente conscientes de sua condição e da posição da divindade. Desde aquele momento fala-se em demônios e inferno.

Enquanto os anjos usam seu poder com propósitos positivos, os demônios os usam com fins maléficos e perversos, pois estão cheios de ódio por Deus e pelos seres humanos. O senhor teve o poder de mandar todos os anjos rebeldes para o inferno, privando-os assim de qualquer oportunidade de fazerem o mal.

Em sua infinita sabedoria e bondade, porém, permitiu que muitos deles permanecessem sobre a terra e exercessem seus poderes maléficos; contudo, apesar da vontade deles, os demônios representam um incentivo e um meio para se atingir a perfeição moral. Neste sentido, podemos dizer que o demônio é um instrumento e um coeficiente perene de santidade. Este desígnio é mais apropriado para a economia divina, que sabe como usar tudo, mesmo as piores de todas as coisas, para fazer algum bem.

Eis um plano vasto, a longo prazo, que transformou um gesto de rebelião — que aparentemente teria causado uma divisão irreparável — em um bem potencial. Assim, contra sua própria vontade, o anjo rebelde torna-se parte do plano divino de redenção. Ele é um instrumento para o aperfeiçoamento de toda a humanidade e expostos como estamos à tentação, devemos emergir vitoriosos. Esse é o ensinamento da Igreja.

Texto: Paola Giovetti.

Nenhum comentário: