sexta-feira, 6 de outubro de 2017

A Cigana e Nossa Senhora


numerosas lendas focando a natividade de Cristo. Sem dúvida, a mais famosa e mais adorável é a Balada de Nossa Senhora, quando ela fugiu para o Egito com o menino Jesus e São José.
Uma cigana, tomando-os por peregrinos, ofereceu-lhes sua tenda para descansarem. Reconhecendo a divindade de Jesus e Maria, recebeu-os com muito respeito, devoção e humildade. Elogiou-os pela grande beleza e se ofereceu para dizer a sorte de Maria. Disse-lhe, com tristeza, que ela passaria por grandes sofrimentos e dores a vida inteira, por causa das ações de seu filho. Depois, leu o destino do Menino. A balada aborda trechos da vida da Madona e, sistematicamente, repassa cada um dos maiores eventos da vida de Jesus: Anunciação de Maria, concepção, nascimento na manjedoura, fuga para o Egito, Jesus no Templo, batismo, tentação de Jesus no deserto, última ceia, traição de Judas, negação de Pedro, crucificação e ressurreição. A palmista, após ler a sorte de Maria e de Jesus, em vez de pedir recompensa material, implorou somente que Nossa Senhora intercedesse para que ela (cigana) ganhasse a vida eterna (pudesse entrar no céu, o Portão Celestial).






















A cigana
 
Deus te proteja, Senhora,

e te dê muita ventura.

Bem-vindo seja, velhinho,

com tão bela criatura.

 
N. Senhora

Que bom te ver irmãzinha!

Que Deus com sua bondade,

perdoe os teus pecados

se esta é sua vontade.

 

A cigana

Pelo que me pareceis,

estais a peregrinar

em busca de alojamento.

Senhora, queira apear.

 

N. Senhora

Tu que és minha irmãzinha,

tão cheia de caridade,


Deus te pague a cortesia

com sua grande bondade.

 

A cigana

Apeia, Senhora minha,

pareces uma rainha.

Em meus braços, com carinho,

vou ninar o teu filhinho.
 

N. Senhora

Viemos de Nazaré,

procurando por abrigo.

Chegamos em terra estranha

e estamos aqui contigo.
 

A cigana

Sou uma jovem cigana

tão pobre sou, vinde a mim!

Te ofereço a minha casa

que é tão pouco ainda assim.
 

N. Senhora

Dou graças a Deus por tudo,

assim é minha oração.

Minha irmã, tuas palavras

consolam meu coração.
 

A cigana

Se não é como mereces,

peço perdão, ó mãezinha,

como posso, eu nesta casa,

hospedar uma rainha?
 

Eu tenho aqui um estábulo

pro jumento descansar;

palha e feno dá-se um jeito,

todos vão se acomodar.

 
Pai, por teres vindo a pé,

estás cansado demais;

andaste o país inteiro,

trezentas milhas ou mais.

 
Que bela é esta criança,

até parece pintura.

Nada há que se compare

a tão bela criatura.

 
Por chegares de Belém,

ainda temes, Senhora?

Não tenhas mais nenhum medo,

pois chegaste em boa hora.

 
Se te apraz, Divina Graça,

posso ler a tua sorte.

Assim fazemos, Senhora,

espero que não se importe.

 
Mas que direi eu a ti,

na tua bela presença?

Tu sabes mais do que eu,

demonstra mais sapiência.

 
É tão grande esta alegria

que quase não cabe em mim.

Acho até que compreendo,

foste eleita por Deus, sim!

 
De Deus foste sempre amada,

és a mãe do Redentor;

pura, santa, imaculada

mãe de Deus, Nosso Senhor.

 
Joaquim seria teu pai,

Ana te conceberia;

portanto, Senhora minha,

te chamarei de MARIA.

 
Ainda quando criança

no Templo foste estudar.

Lá comias, lá dormias,

lá ficavas a ensinar.

 
Prometeram-te José,

puro, santo, um ancião,

e por milagre de Deus,

floresceu o seu bordão.

 
Concebeste, então, por graça

do Divino Espírito Santo.

é teu filho verdadeiro.

Não do esposo, portanto.

 
Que Deus se faria homem,

soubeste na Anunciação.

Foste muito agraciada

na tua concepção.

 
Deus mandou o embaixador

Gabriel, com tal mensagem.

Estavas só em teu quarto

quando viste aquela imagem.

 
Te disse: “Óh! cheia de graça,

sede da sabedoria,

o Senhor está contigo!

Deus saúda a ti, Maria!”

 
Ao seres assim saudada,

ficaste plena de espanto.

“Maria, nada de choro:

foi obra do Espírito Santo!”

 
“Tu serás virgem e mãe,

de Deus é esta a vontade.

Bendito será teu fruto,

redentor da humanidade.”

 
E prontamente aceitaste

a missão com humildade:

“Sou escrava do Senhor,

seja feita a Sua vontade!”

 
No tempo determinado,

com teu esposo partiste,

em direção a Belém,

e muita pena sentiste!

 
Abrigo não encontraste

que pudesse te alojar,

a não ser aquela gruta...

lá tiveram que ficar.

 
Como era pobre o recanto,

sem calor, sem luz, sem leito.

acho até que esta tal gruta

era tão fria e sem jeito.

 
À meia-noite, sem dor,

pariste o filho adorado,

que seria o redentor,

pelo mundo desejado.

 
Com amor e reverência

com panos o enfaixaste,

e entre o boi e o asno,

Senhora, O colocaste.

 
Uma simples manjedoura...

que noite de encantamento,

como foi belo, Senhora!

que grande contentamento!

 
Na noite resplandecente,

nasceu Cristo, e sobre a terra,

alegrou-se toda gente,

veio a paz, e foi-se a guerra.

 
Os pastores o adoraram,

e trouxeram muitos mimos.

Nas estradas anunciaram

que já nascera o Menino.

 
E agora, Senhora minha,

me apresente, por favor,

para a minha cortesia,

o teu filho, o Redentor.
 
 
N. Senhora

Me dá, caríssimo esposo,

o meu filho que eu seguro,

para que esta linda cigana

possa ler o seu futuro.

 
Irmãzinha, este é teu Deus,

vida do meu coração.

Guarda bem, com alegria,

esta tão bela visão.

 
É filho do Pai Eterno,

da divina majestade.

Como homem, ele é meu filho,

por sua imensa bondade.

 
Eis, irmã, eis o Messias!

Redentor das nossas dores.

Irá sofrer tantas penas

em nome dos pecadores.

 
A cigana

Ó que filho desejado!

Óh! Senhora Imperatriz,

ele é por mim amado,

se bem que sou pecatriz.

 
Quem não o ama, não sabe

que ele é Jesus amado.

E quem clamar por perdão,

por Ele será perdoado.

 
De encontrá-lo em caminho,

boa sorte foi a minha.

O meu coração falava

o peito arfante eu tinha.

 
Já que Deus, em seus desígnios.

me fez da sorte leitora,

dê-me a mão, meu senhorzinho,

vou adivinhar agora.

 
Deste menino formoso

vindo de origem divina,

em suas mãos pequeninas

eu vou ler a sua sina.

 
Dai-me licença senhora,

guiai o meu pensamento,

para dizer o que sinto

para ler com acento.

 
Eterno rei desses céus,

que dando ao mundo alegria,

por prodígios só nasceu

Da Santa Virgem Maria.

 
Redentor da humanidade

nascido p’ra nosso guia,

mudou o céu em presépio

transformou a noite em dia.

 
Se a boa dita e a nossa,

quereis meu bem, que vos diga,

é a mesma que bem sabeis,

mas permitais que prossiga.

 
Dai-me soberano infante

Dai-me esta linda mãozinha,

E vereis que uma cigana

A vossa sina advinha.

 
Primeiramente a meus olhos

vejo com suma alegria,

que sois com um grande extremo

querido de uma Maria.

 
E prevenida ela um dia

pelo supremo juiz,

fugirá cedo convosco

p’ra o mais remoto país.

 
E decorridos doze anos

de tão doce companhia

terás milhares de penas

sem lhe escapar um só dia.

 
Enquanto andardes no mundo

sereis sempre perseguido,

mas, pelos prodígios divinos

jamais vós sereis vencido.

 
Se um amigo no rosto

certo dia vos beijar,

às mãos cruéis da justiça,

ele vos há de entregar.

 
Outro vos há de negar,

Em perguntas à porfia,

Respondendo que não sabe

Quem sois vós, minha alegria.

 
É meu coração que fala,

eu não invento palavras.

Prepara-te mãe amorosa

para ouvir coisas amargas.

 
Após passar alguns anos

dirá Jesus a São João:

Batizado eu quero ser

aqui, no rio Jordão.

 
E após isto mais uns dias

no deserto ficará

sem comer nem pão nem vinho,

no jejum que Ele fará.

 
Satã tentará fazê-lo

transformar pedras em pão,

mas será posto a correr,

em completa confusão!

 
E Cristo, em Jerusalém,

entrará triunfalmente;

com ramos, hinos e salmos,

louvado por toda gente.

 
Mais tarde irá o Senhor

doze apóstolos chamar,

pra repartir pão e vinho

em seu último jantar.

 
E enquanto eles aguardam,

Ele, o pão, consagrará.

“Isto”, dirá, “é meu corpo,

que vos alimentará”.

 
O vinho, em sangue divino,

o Senhor transformará.

São muitas as maravilhas

que Ele realizará.

 
Seu último ato na terra:

Ao final do sacramento,

dará sua própria vida

para que vivam plenamente.

 
Não tereis vida mui larga,

Pois, com as mãos estendidas,

Atirarão numa cruz

Uns ingratos homicidas.

 
E depois de redimirdes

A humanidade querida

Vencereis a própria morte,

Lograreis a eterna vida.

 
Com pranto e com amargura,

Tu serás sepultado.

Findarão teus sofrimentos

em um túmulo emprestado.

 
A cigana dirigindo-se a N. Senhora:

Ouça, Mater Dolorosa,

rogai por nós, pecadores.

Deus foi o Pai do teu filho,

tu és Maria das Dores!

 
Esposa do Espírito Santo,

és, por Deus, glorificada.

És consolo e és auxílio,

és a nossa advogada.

 
Senhora, já estás cansada

mas eu, antes de partir

vou pedir-te uma esmola,

se deixares eu pedir.

 
Não quero ouro, nem prata,

e nenhuma outra cousa,

pois em teu peito, ó mãe,

o Onipotente repousa.

 
Se porque digo a verdade

mereço uma esmolinha,

conceda à pobre cigana

a graça nesta lapinha.

 
Pro perdão dos meus pecados,

peço a tua intercessão.

Pra que eu possa entrar, um dia,

no Celestial Portão.
 

Texto: LA MADONNA E LA ZINGARELLA; THE MADONNA AND THE GIPSY.
Anais Pernambucanos... (Adaptação de Acir Reis e Asséde Paiva)