EGUNGUN - "As roupas que andam ..."
Egun é a morte que volta a terra em forma espiritual e visível aos olhos dos vivos. Ele "nasce" através de ritos que sua comunidade elabora e pelas mãos dos ojé (sacerdotes) munidos de um instrumento invocatório, um bastão chamado isan, que quando tocado na terra por três vezes e acompanhado de palavras e gestos rituais, faz com que a "morte se torne vida" e o Egungun ancestral individualizado está de novo "vivo".
Egun é a morte que volta a terra em forma espiritual e visível aos olhos dos vivos. Ele "nasce" através de ritos que sua comunidade elabora e pelas mãos dos ojé (sacerdotes) munidos de um instrumento invocatório, um bastão chamado isan, que quando tocado na terra por três vezes e acompanhado de palavras e gestos rituais, faz com que a "morte se torne vida" e o Egungun ancestral individualizado está de novo "vivo".
A aparição dos Eguns é cercada
de total mistério, diferente do culto aos Orixás, em que o transe acontece
durante as cerimônias públicas, perante olhares profanos, fiéis e iniciados. O
Egungun simplesmente surge no salão, causando impacto visual e usando a
surpresa como rito. Apresenta-se com uma forma corporal humana totalmente
recoberta por uma roupa de tiras multicoloridas, que caem da parte superior da
cabeça formando uma grande massa de panos, da qual não se vê nenhum vestígio do
que é ou de quem está sob a roupa. Fala com uma voz gutural inumana, rouca, ou
às vezes aguda, metálica e estridente — característica de Egun, chamada de “séégí
ou sé” e que está relacionada com a voz do macaco marrom, chamado ijimerê na
Nigéria.
As tradições religiosas dizem
que sob a roupa está somente a energia do ancestral; outras correntes já
afirmam estar sob os panos algum mariwo (iniciado no culto de Egun) sob transe
mediúnico. Mas, contradizendo a lei do culto, os mariwo não podem cair em
transe, de qualquer tipo que seja. Pelo sim ou pelo não, Egun está entre os
vivos e não se pode negar sua presença, energética ou mediúnica, pois as roupas
ali estão e isto é Egun.
A roupa do Egun — chamada de eku
na Nigéria ou opá na Bahia ou o Egungun propriamente dito, é altamente sacra ou
sacrossanta e por dogma, nenhum humano pode tocá-la. Todos os mariwo usam o
isan para controlar a "morte", ali representada pelos Eguns. “Eles e
a assistência não devem tocar-se, pois como é dito nas falas populares dessas
comunidades, a pessoa que for tocada por Egun se tornará um assombrado" e
o perigo a rondará. Ela então deverá passar por vários ritos de purificação
para afastar os perigos de doença ou talvez a própria morte.
Ora, o Egun é a materialização
da morte sob as tiras de pano e o contato, ainda que um simples esbarrão nessas
tiras é prejudicial. E mesmo os mais qualificados sacerdotes — como os Ojé
atokun, que invocam, guiam e zelam por um ou mais Eguns — desempenham todas
essas atribuições substituindo as mãos pelo isan.
Os Egun-Agbá (ancião), também chamados de Babá-Egun (pai), são Eguns
que já tiveram os seus ritos completos e permitem, por isso, que suas roupas
sejam mais completas e suas vozes sejam liberadas para que eles possam
conversar com os vivos.
Os Apaaraká são Eguns, ainda mudos e suas roupas são as mais simples:
não têm tiras e parece um quadro de pano com duas telas, uma na frente e outra
atrás. Esses Eguns ainda estão em processo de elaboração para alcançar o status
de Babá; são traquinos e imprevisíveis, assustam e causam terror ao povo.
O eku dos Babá são divididos em
três partes: o abalá, que é uma armação quadrada ou redonda, como se fosse um
chapéu que cobre totalmente a extremidade superior do Babá e da qual caem
várias tiras de pano coloridas, formando uma espécie de largas franjas ao seu
redor; o kafô, uma túnica de mangas que acabam em luvas e pernas que acabam
igualmente em sapatos, do qual também caem muitas tiras de pano da altura do
tórax ; o banté, que é uma larga tira de pano especial presa ao kafô e
individualmente decorada e que identifica o Babá.
O banté, que foi previamente
preparado e impregnado de asé (força, poder, energia transmissível e
acumulável), é usado pelo Babá quando está falando e abençoando os fiéis. Ele o
sacode na direção da pessoa e esta faz gestos com as mãos que simulam o ato de
pegar algo, no caso o asé e incorporá-lo. Ao contrário do toque na roupa, este
ato é altamente benéfico. Na Nigéria, os Agbá-Egun portam o mesmo tipo de roupa,
mas com alguns apetrechos adicionais: uns usam sobre o alabá máscaras
esculpidas em madeira chamadas de erê egungun ; outros, entre os alabá e o
kafó, usam peles de animais; alguns Babá carregam na mão o opá iku e às vezes,
o isan. Nestes casos, a ira dos Babás é representada por esses instrumentos
litúrgicos.
Existem várias qualificações de
Egun, como Babá e Apaaraká, conforme seus ritos e entre os Agbá, conforme suas
roupas, paramentos e maneira de se comportarem. As classificações, em verdade,
são extensas.
O RITO
Nas festas de Egungun em
Itaparica, o salão público não tem janelas e logo após os fiéis entrarem, a
porta principal é fechada e somente aberta no final da cerimônia, quando o dia
já está clareando. Os Eguns entram no salão através de uma porta secundária e
exclusiva, único local de união com o mundo externo.
Os ancestrais são invocados e
eles rondam os espaços físicos do terreiro. Vários amuisan (iniciados que
portam o isan) funcionam como guardas espalhados pelo terreiro e nos seus limites,
para evitar que alguns Babá ou os perigosos Apaaraká que escapem aos olhos
atentos dos Ojé saiam do espaço delimitado e invadam as redondezas não
protegidas.
Os Eguns são invocados numa
outra construção sacra, perto; mas separada do grande salão, chamada de ilê awo
(casa do segredo), na Bahia e igbo igbalé (bosque da floresta), na Nigéria. O
ilê awo é dividido em uma ante-sala, onde somente os Ojé podem entrar e o
lêsànyin ou balé, onde só os Ojé agbá entram.
Balé é o local onde estão os
idi-egungun, os assentamentos - estes são elementos litúrgicos que associados,
individualizam e identificam o Egun ali cultuado e oojubô-babá, que é um buraco
feito diretamente na terra, rodeado por vários isan, os quais de pé, delimitam
o local.
Nos ojubô são colocadas
oferendas de alimentos e sacrifícios de animais para o Egun, a ser cultuado ou
invocado. No ilê awo também está o assentamento da divindade Oyána qualidade de
Igbalé, ou seja, Oyá Igbalé - a única divindade feminina venerada e cultuada,
simultaneamente, pelos adeptos e pelos próprios Eguns.
No balé os Ojé atokun vão
invocar o Egun escolhido diretamente no seu assentamento e é neste local que o
awo (segredo) - o poder e o asé de Egun — nascem através do conjunto Ojé-isan /
idi-ojubô. A roupa é preenchida e Egun se torna visível aos olhos humanos.
Após saírem do ilê awo, os Eguns
são conduzidos pelos amuisan até a porta secundária do salão, entrando no local
onde os fiéis os esperam, causando espanto e admiração, pois eles ali chegaram
levados pelas vozes dos Ojé, pelo som dos amuisan, branindo os isan pelo chão e
aos gritos de saudação e repiques dos tambores dosalabê (tocadores e cantadores
de Egun). O clima é realmente perfeito.
O SALÃO E A FESTA
O espaço físico do salão é
dividido entre sacro e profano. O sacro é a parte onde estão os tambores e seus
alabês e várias cadeiras especiais previamente preparadas e escolhidas, nas
quais os Eguns, após dançarem e cantarem, descansam por alguns momentos na
companhia de outros, sentados ou andando, mas sempre unidos, o maior tempo
possível, com sua comunidade. Este é o objetivo principal do culto: unir os
vivos com os mortos.
Nesta parte sacra, mulheres não
podem entrar nem tocar nas cadeiras, pois o culto é totalmente restrito aos
homens. Mas existem raras e privilegiadas mulheres que são exceção, como se
fossem a própria Oyá; elas são geralmente iniciadas no culto dos Orisás e
possuem simultaneamente oiê (posto e cargo hierárquico) no culto de Egun — estas
posições de grande relevância causam inveja à comunidade feminina de fiéis. São
estas mulheres que zelam pelo culto, fora dos mistérios, confeccionando as
roupas, mantendo a ordem no salão, respondendo a todos os cânticos ou puxando
alguns especiais, que somente elas têm o direito de cantar para os Babás. Antes
de iniciar os rituais para Egun, elas fazem uma roda para dançar e cantar em
louvor aos Orisás; após esta saudação elas permanecem sentadas junto com as
outras mulheres. Elas funcionam como “elo de ligação” entre os atokun e os
Eguns ao transmitir suas mensagens aos fiéis. Elas conhecem todos os Babás, seu
jeito e suas manias e sabem como agradá-los.
Este espaço sagrado é o mundo do
Egun nos momentos de encontro com seus descendentes. A assistência está
separada deste mundo pelos isan que os amuisan colocam estrategicamente no
chão, fazendo assim uma divisão simbólica e ritual dos espaços, separando a
"morte" da "vida". É através do isan que se evita o contato
com o Egun: ele respeita totalmente o preceito, é o instrumento que o invoca e
o controla. Às vezes, os mariwo são obrigados a segurar o Egun com o isan no
seu peito, tal é a volúpia e a tendência natural de ele tentar ir ao encontro
dos vivos, sendo preciso, vez ou outra, o próprio atokun ter de intervir rápida
e rispidamente, pois é o Ojé que por ele zela e o invoca, pelo qual ele tem
grande respeito.
O espaço profano é dividido em
dois lados: à esquerda ficam mulheres e crianças e à direita, os homens. Após
Babá entrar no salão, ele começa a cantar seus cânticos preferidos, porque cada
Egun em vida pertencia a um determinado Orisá. Como diz a religião, toda pessoa
tem seu próprio Orisá e esta característica é mantida pelo Egun. Por exemplo:
se alguém em vida pertencia a Sangò, quando morto e vindo como Egun, ele terá
em suas vestes as características de Sangò, puxando pelas cores vermelha e
branca. Portará um osè (machado de lâmina dupla), que é sua insígnia; pedirá
aos alabês que toquem o alujá, que também é o ritmo preferido de Sangò, e dançará
ao som dos tambores e das palmas entusiastas e excitantemente marcadas pelos
oiê femininos, que também responderão aos cânticos e exigirão a mesma animação
das outras pessoas ali presentes.
Babá também dançará e cantará
suas próprias músicas, após ter louvado a todos e ser bastante reverenciado.
Ele conversará com os fiéis, falará em um possível yorubá arcaico e seu atokun
funcionara como tradutor. Babá-Egun começará perguntando pelos seus fiéis mais
freqüentes, principalmente pelos oiê femininos; depois, pelos outros e
finalmente será apresentado às pessoas que ali chegaram pela primeira vez. Babá
estará orientando, abençoando e punindo, se necessário, fazendo o papel de um
verdadeiro pai, presente entre seus descendentes para aconselhá-los e
protegê-los, mantendo assim a moral e a disciplina comum às suas comunidades,
funcionando como verdadeiro mediador dos costumes e das tradições religiosas e
laicas.
Finalizando a conversa com os
fiéis e já tendo visto seus filhos, Babá-Egun parte, a festa termina e a porta
principal é aberta: o dia já amanheceu. Babá partiu, mas continuará protegendo
e abençoando os que foram vê-lo.
Esta é uma breve descrição de
Egungun, de uma festa e de sua sociedade, não detalhada; mas o suficiente para
um primeiro e simples contato com este importante lado da religião. E também
para se compreender a morte e a vida através das ancestralidades cultuadas
nessas comunidades na Ilha de Itaparica, localizado no Alto da Bela Vista em Ponta de Areia, no estado da Bahia. Ilê Babá Agboulá mais conhecido como Ilê Agboulá ou Omo Ilê Agbôula, como um reflexo da sobrevivência direta,
cultural e religiosa dos yorubanos da Nigéria.
Texto: ...
LINKS:
Culto aos Egunguns - Ilê Agboulá ( Parte 1)
https://www.youtube.com/watch?v=moas7ElL6do
Culto aos Egunguns - Ilê Agboulá (Parte 2)
https://www.youtube.com/watch?v=Rvc2NkK3vdQ
Culto aos Egunguns - Ilê Agboulá (Parte 3)
https://www.youtube.com/watch?v=1OwvPGk36eI
Egun Girando
Eguns Levitando
Egungun Inflando
Egun Girando
Egungun Inflando